Ismael Iglesias
Com relação a saúde, a maior preocupação da população neste terceiro milênio provavelmente seja a obesidade, mas isso é bem recente. Lembro muito bem do meu pai falando do início das primeiras academias, que a vida dele já era uma ginástica, pra que academias! Pura verdade, uma vez que a nossa vida sedentária começou em torno de três décadas, até então nossa vida era diferente, andávamos de ônibus, porque só havia um carro para a família, e até para trocar o canal de TV era necessário levantar do sofá.
Ainda me lembro dos meus tempos de criança, ainda na escola primária, meu irmão e eu passavamos as férias no sítio do meu tio. Quando acordávamos, já para lavar o rosto era necessário tirar água do poço, com corda, balde e sarilho; para tomar café, rachar a lenha, acender o fogão; para tomar banho, tirar água, levar até o fogão para esquentar a água, colocar no chuveiro, que a gente erguia com uma corda e amarrava na parede, daí o apelido de Tiradentes, sem dizer das brincadeiras do dia inteiro, subir nas árvores colher as frutas nos pés. Eu levava uma uma cadeira, uma faca e um saleiro, escolhia uma laranjeira e ficava chupando laranja “de vez” com sal até não aguentar mais… Hoje nós nem chupamos mais laranja, só tomamos suco! Nossas atividades eram basicamente caçar e pescar, que para isso tínhamos que fabricar nossa própria munição, fazendo pelotas de argila assada numa placa em fornos de barro que nós construíamos, procurando pedregulhos ou mesmo colhendo goiabinhas. Depois andar o dia inteiro pelo sítio atrás de rolinhas, codornas, “fogo apagou”, pombas ou o que servia para fazer uma fritada. Para pescar, primeiro era necessário conseguir as iscas, ou seja arrancar minhocas com enxadão para depois caminhar até o riacho com toda a tralha e voltar com o resultado da pesca. No final do dia, limpar a caça ou a pesca para minha tia fazer a fritada, depois do banho no Tiradentes, e comer com limonada ou laranjada porque refrigerante era somente em aniversários e finais de ano.
Meus primos iam para a escola a pé. Caminhavam quase dois quilômetros para ir e outro tanto para voltar. Vocês acham que algum de nós era gordinho? Meus tios comiam em prato fundo e bem cheio, e ainda colocavam sobre a comida colheradas de gordura de porco das panelas do fundo das panelas de mistura em que eram feitos os frangos e os porcos na lata, e repetiam! Também ninguém era obeso.
Atualmente nosso organismo necessita menos de 2.000 calorias para as necessidades básicas diárias, mas nessa época, certamente eles necessitavam bem de mais do dobro porque trabalho era árduo e as atividades infantis, como já disse, iam muito além de uma postagem no facebook das crianças de hoje em dia.
Se verificarmos a evolução da nossa espécie vamos perceber que as preocupações do homem eram por espaço e por comida. No início era a colheita e a caça, sempre houve muitas épocas com guerras e escravidões, proibições de plantações e de caças porque as terras pertenciam a realeza ou a nobreza, também pragas, pouca produção, lembram de Hobin Hood, Rei Arthur, “Os Miseráveis”, entre outros. Muitos alimentos, atualmente iguarias, foi experimentado pelo homem devido a fome, como o escargot, por exemplo, muitos outros foram ingeridos, mas nem vamos citar por aqui, mas não levados adiante por não haver palatabilidade ou mesmo sanidade. Mesmo no séc. XX tivemos 2 grandes guerras, quando na Europa, pessoas importantes e com dinheiro passaram fome por ter dinheiro e não ter o que comprar.
Faz pouco tempo que a comida está farta, duvidam? vejam a riqueza do o nosso lixo, do o fim da feira, obviamente, não vamos considerar alguns casos pontuais, como os zona de conflitos e com problemas políticos, como os da África e da Síria, por exemplo.
As adaptações do nosso corpo levaram séculos, como o andar ereto, o desenvolvimento de mãos hábeis para construir ferramentas, entre outras habilidades, mandíbulas mais fracas para dar mais espaço ao cérebro, diminuição da quantidade de pelos assim que começou a usar peles de animais para se agasalhar, a comunicação e as relações sociais que começaram com a caça de animais de maior porte, uma vez que não era possível caçar sozinho e a consequente refeição comunitária dado a fartura de carne que esses animais proporcionara, enfim, ao longo dos milênios nosso corpo sofreu muitas mutações, algumas com duração de milênios e outras nem tanto. Talvez uma nossas últimas adaptações foi a arcada dentária. Conforme o livro da Bee Wilson, “Pense no Garfo”, ela nos conta que os cozinheiros ocidentais sempre usaram muitas facas, realmente, pois ainda hoje todos nós temos verdadeira fascinação por elas, mas os cozinheiros chineses usavam e ainda usam basicamente uma única faca, a dao, ou o cutelo chinês, que corta, pica e deixa a comida em pequenos pedaços, já pronta para ser levada a boca, somente com o uso do hashi, ou palito japonês, que ao contrário dos ocidentais em que a comida vem em pedaços maiores é necessário cortar em pequenos pedaços para levar até a boca. Mas até os séculos XV e XVI a comida vinha em travessas em pedaços grandes, e os convivas traziam nos seus cintos suas facas individuais, para então levar à boca a carne e cortar com essa faca em nacos para poderem mastigarem, daí a importância dos dentes incisivos e caninos na época. Por isso a oclusão dos ocidentais era do tipo de topo, assim como dos símios. Mas a partir de então apareceu um novo instrumento à mesa que revolucionou a nossa mastigação, esse instrumento foi a faca de mesa. A exemplo dos orientais, começamos a cortar os alimentos em pequenos pedaços no prato antes de levá-los à boca, deixando os dentes incisivos e caninos de ter a mesma importância. A nossa arcada passou de topo para frontal e essa mudança levou “somente” entre 200 a 250 anos!
E o que tem a ver tudo isso com a obesidade. Tudo, uma vez que, como dissemos anteriormente, nosso corpo está apenas há três décadas vivendo de maneira sedentária e com alimentação abundante. Então nosso organismo deverá se evoluir e se adaptar para absorver dos alimentos somente as energias necessidades para as atividades diárias, como se fossem as cirurgias de redução dos órgãos do corpo tão comuns nos nossos dias, mas isso provavelmente deverá levar ao menos um século. Como tudo vem acontecendo com maior velocidade, esperamos que desta vez, aconteça antes do esperado. E voilá.