CARNES CRUAS

Em Ismael Iglesias

Como já falamos do Carpaccio, carnes fatiadas, hoje vamos falar das carnes cruas “moídas” ou picadas na ponta da faca.

Para grande parte da população só o fato de dizer carne crua já causa algum tipo de constrangimento. Mesmo em se tratando de carne assada, mas mal passada, dita “com sangue”, já é motivo para torcerem o nariz, mas a carne crua é a maneira mais segura de se saber se é um produto sadio, fresco, pois não há como disfarçar, assim como pratos elaborados com peixes crus, como ceviche, sashimi ou o puke havaiano, o produto têm que ser o mais fresco possível.

Para se ter uma idéia. na idade média a utilização dos molhos era para disfarçar o cheiro e sabor das carnes que às vezes já estavam passadas, já que a elaboração dos grandes banquetes levavam dias e não havia geladeira para a conservação….

Vocês devem conhecer alguns espetos de estanho ou prata com figura de animais, como javali, coelho, peru, porco, veado, peru, etc. Eles eram espetados nas carnes das travessas para que os convidados soubessem que tipo de carne estava ali, porque o que o sabor preponderante dos pratos era o do molho, uma vez que as carnes praticamente tinham o mesmo sabor.

Existem alguns pratos emblemáticos com carne crua. No Brasil, especialmente no Paraná, temos a Carne de Onça. Na França, Alemanha e Áustria, o Steak Tartar, na Itália o famoso Batuto ou Carne Albanesa e no Oriente Médio o Quibe cru.

Essas iguarias casam muito bem com o nosso clima, e aceitam uma variedade de bebidas para acompanhá-las, desde destilados, como vodka, cachaça, whisky; fermentados como cerveja, vinho branco e espumantes e a nossa caipirinha, são saborosos e fácil de se fazer. Quem vencer o preconceito não conseguirá ficar muito tempo sem comer. Lembro certa vez no Restaurante Bismark, que existia na Av. Ibirapuera em frente ao Shopping, com meus pais, meu irmão e a ex-esposa. Na época minha mãe não comia nada cru, mas minha esposa e eu adorávamos o Steak Tartar de lá e o pedimos de entrada. O garçom preparou o prato na mesa, ao lado da minha mãe. Para nossa surpresa ela aceitou um pouco e, muito mais surpreendente, quando ela repetiu…. Ela nos disse: Ah! Ele foi temperando e veio aquele tão bom cheiro bom que me deu vontade… Ela nunca mais foi a mesma. Atualmente come isso tudo (exceto sashimi) e não fica muito tempo sem comer ao menos um quibe cru.

Para o meu paladar uma das carnes mais saborosas é o Batuto, ou Carne Albanesa. Batuto que vem de bater, ou seja, o picar na ponta da faca, que se faz/fazia com um cutelo e Carne Albanesa que vem de Alba, Piemonte, Itália, que na verdade é o mesmo prato. É que é a terra do tartufo bianco. Este prato consiste de um pedaço de filé mignon batido na ponta da faca e temperado com um bom sal, pimenta do reino moída na hora, um bom azeite e lâminas de, obviamente, tartufo bianco. Como a época do tartufo é basicamente de outubro a dezembro, e nestas terras tupiniquins é raro de se encontrar e, quando a por aqui chega, vem a preços altíssimos, no lugar do tartufo, utilizamos pasta tartufata e/ou lâminas de tartufo no azeite. A pasta normalmente é composta de cogumelos, principalmente porcini, azeite e tartufo.

Experimente o Batuto e verá que é um prato dos deuses.

Já para o Steak Tartar, cada um tem um tempero. A carne utilizada, dizem meus amigos franceses, que deve ser de cavalo, mas vamos no “não tradicional” de boi. O ideal também o filé na ponta da faca, podendo também ser utilizada outra carne magra de sua preferência, mesmo moída. Costumo fazer da seguinte maneira. Primeiramente pico cebola branca, alcaparra e pepino em conserva, gosto do Hemmer tempero suave, coloco um bom sal, pimenta do reino, páprika não defumada, doce ou picante, de preferência húngara, molho inglês, ou seja, worchestershire, Lea & Perrins, molho tabasco, boas mostardas escura e clara, pode ser anciene, bom azeite, misturo tudo deixando bem homogeneizado e somente então eu coloco a carne e a gema de ovo crua. A partir daí é braço, ou seja, misturar, misturar e misturar até soltar bem do recipiente. Experimentar e corrigir os temperos. Há quem coloque um pouco de cognac. Em tempo, conheci uma marca nova de pepinos tão saborosa ou melhor do que a Hemmer, chama Zilse. Não se se é fácil de encontrar, mas é uma delícia.

Outro prato praticamente idêntico ao Steak Tartar, masse usa a carne moída ao invés de picado na ponta da faca, é o Hackepeter (de pronúncia “racapeta”). É de origem alemã, e por isso muito comum em Santa Catarina, especialmente no Vale do Itajaí. Quanto aos temperos podemos dizer que são os mesmos, uma vez que como em toda culinária, cada família ou restaurante tem o seu toque pessoal. Na Alemanha também é oferecido com carne suína, ao invés da bovina.

Gosto de servir, e de comer, com folhas amargas como radichio, mostarda, agrião, rúcula, catalonha e também raiz forte ralada na hora ou um pronta em vidro excelente produzida no Paraná, Anni Haus, que eu encontro no meu Sex Shop (Casa Santa Luzia, que me proporciona 3 prazeres por dia: café da manhã, almoço e jantar!). Também pode ser servido na forma de canapés sobre pão de forma ou pão preto sem a casca.

A Carne de Onça é um patrimônio cultural de Curitiba, conforme lei municipal 14.794/2016. É um prato tradicional servido há pelo menos 50 anos nos bares e restaurantes da cidade. Há várias versões sobre a origem do nome, mas ao que parece mais verossímil é do bafo de que deixava na boca após o consumo, principalmente se houvesse alho no tempero. Sua receita varia conforme o bar ou restaurante, mas sempre leva carne moída e temperada com bom sal, cebola picada, salsinha, boa pimenta do reino e azeite, alguns colocam mostarda, molho inglês, alho, páprika, pimenta calabresa, outras verduras como rúcula, cebolinha e até vinagre balsâmico, mas, sempre é apresentada em forma de canapés sobre broa escura.

Quanto ao quibe cru, eu fico incomodado de escrever qualquer receita, pois cada família de cada região do Líbano tem a sua. Se vocês tiverem oportunidade de ler o livro O Patrimônio Culinário do Líbano, vão ver inúmeras receitas regionais de quibes, inclusive quibes de peixe e uma interessante e deliciosa elaborada num pilão, em que os ingredientes são pilados, é o Quibe de Zghorta, tradicional dessa mesma região (Zghorta). O trigo e a carne (de cabra) são colocados no pilão se vai pilando e colocando os temperos aos poucos. Fica um creme delicioso. Tive a oportunidade de fazer com amigos e nos deliciamos.

Outro prato que tive a oportunidade de experimentar foi um tartar de atum, elaborado pelo renomado Chef Luca Gozzani, do Fasano, que fez na minha casa quando o importador e amigo Giordano Diamanti do Empório Tartufi, para nosso deleite, nos regalou com mais de 350 gramas do mais fresco tartufo bianco, vindo diretamente da Itália. Estávamos: o Luca e sua esposa Irene com as fofuras de filhinhas Lisa e Sofia; o Giordano e a esposa Daniele e o Gino Franciosi com a esposa Vânia (in memorian). Esse foi o primeiro prato, entre outros, Fonduta de Taleggio sobre gema de ovo em cama de purê, Taglioline na manteiga tartufada e Tagliata de Wagyu, tudo isso sobre muuuuito tartufo bianco.

Pequenos cubinhos de atum temperado com flor de sal, azeite, pimenta do reino e um pouquinho de limão siciliano e muito tartufo bianco. Foi algo magnífico, digno de quem sabe! Sinceramente eu não perguntei se é um prato típico, ou criação dele, mas é divino!

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Steak Tartar
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Steak tartar servido com radichio
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Carpaccio de tartufo no azeite, pasta tartufata e azeite tartufato do Empório Tartufi
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Batuto ou Carne Albanesa, com tartufo bianco
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Batuto ou Carne Albanesa com pasta tartufata
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Batuto ou Carne Albanesa com pasta tartufata pronta para ser devorada
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350g deTartufi Biano fresquíssimos presente do Giordano do Emporio Tartufi
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Tartar de atum com tartufo bianco do Luca Gozzani
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Tartar de atum, com carpaccio de tartufo
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5 Comentários

  1. Mirela Simões Maroneze Borini 26 de novembro de 2017 em 22:24

    Sou apaixonada por receitas com carne crua… vamos fazer um deguste Chef!! Carpaccio é tudo de bom!!

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    1. wd41gastronomia 26 de dezembro de 2017 em 19:59

      Quando quiser. Poderemos fazer um pouco de tudo e vcs escolher o que gostaram mais! Somente sugiro fazer o carpaccio com o molho original do Harry’s Bar.

      Responder
    2. wd41gastronomia 28 de fevereiro de 2018 em 18:50

      Desculpa Mirela, Eu tinha certeza de que já havia respondido…. Vamos sim, todos os tipos.

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  2. andrea mosiici 21 de janeiro de 2018 em 12:22

    Chef, o nome certo é carne all’Albese e não Albanese, se não seria da Albânia e não de Alba.
    Mesmo assim todas as receitas deram água na boca. Squisite!

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    1. wd41gastronomia 28 de fevereiro de 2018 em 18:48

      É Albanese de Alba no Piemonte, Itália. Também chamado de Batuto, de bater com o coltelo (faca). Essa é a região das trufas brancas.(tartufos biancos). Desculpe-me a demora, pq só me apareceu agora no site. Muito obrigado e pode fazer alguma sugestão de pauta..

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