Ismael Iglesias
Para muitos dos brasileiros, a palavra risoto ainda remete àquele arroz com molho de tomate, frango e ervilhas, gratinado com queijo ralado de algumas cantinas de antigamente ou em casa aos domingos. Não que seja ruim, mas não é risoto o que na verdade é um arroz de forno, que, além do nome, não existe nenhuma similaridade. Quem nunca foi para a Itália antes de 1992 provavelmente não soube o era o verdadeiro risoto, é que a partir daí nós brasileiros tivemos contato com essa delícia, isso porque foi quando no Brasil houve a “segunda abertura dos portos” em que por aqui aportaram muitas iguarias antes somente encontradas no exterior, que, no caso, foram os arrozes italianos, ideais para se fazer os risotos (Arbório, Carnaroli,Vialone nano, Roma…), tanto que o Luciano Bossegia “il re dei risotti” no Brasil, colocou o nome do seu primeiro livro de “Il Riso in Tasca” (arroz no bolso) porque quando ele por aqui chegou, não encontrando o arroz correto para seus risotos, pedia para os amigos que viajavam para a Itália trazerem em suas malas um pouco de arroz para ele.
O ARROZ (IL RISO)
Antes de pensarmos em prato com um risoto fumegante, provavelmente jamais imaginaríamos as utilidades dos grãos de arroz no decorrer dos tempos. Como todas as drogas e especiarias orientais raras e custosas, antigamente o arroz era utilizado pelas castas nobres como fármacos, em infusões, mas as mulheres adoravam utilizá-lo como pomada para deixar a pele macia e brilhante. Ainda, pasmem, era também utilizado como doping pelos gladiadores e esportistas… Devemos lembrar que as nossas mães e avós utilizavam um produto que se chamava “pó de arroz”, lembram?
Da família das gramíneas, existem basicamente dois tipos de arroz: o Oryza sativa e o Oryza glanberrima, sendo o primeiro de origem asiática e o segundo africano, este praticamente não encontrado atualmente.
O arroz selvagem não pertence a este grupo, da família das gramíneas, por do gênero Zizânia, principalmente da Zizania aquatica, nativa do rio São Lourenço na Costa Atlântica do Canadá.
O Oryza sativa, tem duas subespécies, Oryza sativa indica e japônica, apesar de haver duas classificações, uma em 1987 por Glazmann que ordenou em 6 grupos (indica, japonica, aromatica, aus, rayada e ashina) e outra por Garris et al em 2004 em 5 grupos (temperate japonica, tropical japônica e aromatica entre as variedades japonica e indica e aus entre as variedades indica), porém são considerados sub grupos das japonica e indica.



A característica da espécie indica é de serem de grãos longos, como os do tipo Patna, Thai ou Jasmim, Basmati, e do nosso Agulhinha, já o Oryza sativa japonica são grão curto, como os arrozes japoneses, como o koshihikari, o brasileiro Cateto muito usado na culinária gaúcha para fazer o arroz carreteiro, o português Carolino (aparece às vezes como índica?), os espanhóis Bomba e Senia para paella e os italianos Padano, Carnaroli, Arborio, Vialone nano, Roma, Baldo, Ribe, etc.
As principais variedades de arrozes conforme a legislação italiana são classificadas, conforme a seguir:
Grupo: Variedade:
Comum:
Tondo (redondo) Balilla, Elio, Selenio
Semifino:
Médio Argo, Cripto, Lido, Padano, Vialone Nano
Fino:
Médio Europa, Loto, Riva
Lungo A Ariete, Cervo, Drago, Ribe, Sant’Andrea
Superfino:
Lungo A Arborio, Baldo, Carnaroli, Roma, Volano
Lungo B Graldo, Panda, Pegaso, Thaibonnet
Para a elaboração de risotos devemos utilizar dentre os arrozes italianos, preferencialmente, Carnaroli, Vialone nano e Arborio com os quais vamos obter melhores resultados, mas poderemos também conseguir resultados satisfatórios com os arozes Roma, Baldo e Rosa Marchetti, mas por aqui somente ocasionalmente nós os encontraremos. Mesmo nessas três variedades principais, devemos ficar atentos aos produtores/marcas, sendo que algumas já são produzidas no Brasil e a diferença na qualidade é muito grande.
Tive a oportunidade de experimentar arrozes maravilhosos, o melhor foi o que ganhei do Angelo Fornaia, o sommelier da Vinícola Batasiolo. Era um Carnaroli de um produtor de Verceli, Piemonte, vinha em um saco de pano, cujo produtor chamava Baucero. Meu amigo Gino Franciosi tentou trazer junto aos conhecidos importadores e não conseguiu porque esse é um produtor muito pequeno. Porém num almoço com amigo vinhateiro, Paulo Coppo, conseguiu uma indicação de um produto com qualidades parecidas do Baucero, e que seria possível importar, e foi assim que chegou ao Brasil o maravilhoso arroz San Maiolo.Durante muito tempo vários restaurantes top de São Paulo o utilizaram substituindo com louvor o Aquarello anteriormente utilizado, porém a importadora faliu e deixamos de ter essa iguaria. O Aquarello também é um excelente arroz, atualmente o melhor que temos por aqui, mas eu aprecio o de 1 ano, o de 7 anos não me surpreendeu. O San Maiolo, também Carnaroli tem um alto poder de absorção, com boa percentagem de amilopectina, deixando o risoto cremoso e mantendo o cozimento bem ao dente. Como os italianos gostam, mas suportando um pouco mais o cozimento para poder também servir aos brasileiros. Mas como eu disse, a felicidade acabou porque a importadora acabou fechando, mas eu estou tentando convencer meu amigo Giordano a importá-lo, mas está difícil, imaginem a logística que ele terá que fazer para incorporar esse produto ao seu catálogo em terras tupiniquins….





Um arroz de qualidade deve ter, principalmente, um bom poder de absorção para incorporar os sabores dos ingredientes do risoto. Também o amido deve ter uma quantidade maior de amilopectina para proporcionar boa cremosidade, além de que no final do cozimento ofereça resistência ao dente. Não confundir cremosidade com arroz papa, quando os grãos estão super cozidos, desmanchando, não é nada disso, trata-se de um arroz “al dente” e cremoso.
CALDOS
Ao contrário dos caldos reduzidos (espessos) utilizados como base (rôti, demi-glace), os caldos para risotos devem ser leves e límpidos, ou seja, não devem ser submetidos a longos cozimentos. De preferência os caldos deverão ser clarificados, bem coados ou filtrados, para deixarem um risoto mais leve e saboroso.
As escumas que sobem durante o cozimento se retiram de quando em quando. O caldo deve agregar sabor ao risoto e não ser seu principal elemento.
Os caldos a serem utilizados, como carne (bovina, aves, caças), peixes, crustáceos, e vegetal, são de acordo com o tipo de risoto e os ingredientes a serem agregados, como legumes, açafrão, escargot, cogumelos, queijos, crustáceos, frutos do mar, etc, mas jamais utilizar esses “tabletinhos ou pozinhos” prontos…
Cada cozinheiro tem um toque pessoal para fazer os caldos, alguns assam ou douram os ossos e as carnes antes de cozinhá-los, outros adicionam vinho, temperos, etc, porém seguindo o exposto acima faça como a sua receita, porém desde que seja leve e também não deve ser colocado sal para melhor extrair os sabores dos ingredientes. Pessoalmente, prefiro colocar somente a carne, ou carcaça de frango, cabeça e espinha de peixe e água, sem nenhum vegetal ou legume, exceto, evidentemente se o caldo for de legume.
MODO DE PREPARO
Na elaboração do risoto basicamente devemos seguir as seguintes etapas;
1 – Sofrito
2 – Tostatura do arroz
3 – Sfumatura com o vinho
4 – Agregar o caldo
5 – Mexer o arroz
6 – Cozimento do arroz
7 – Mantecatura
Para fazer um risoto deveremos utilizar uma panela larga, com paredes e fundo espessos. A panela ideal é de ferro fundido esmaltada do tipo Le Creuset, mas na ausência desta, poderemos usar até mesmo fazer uso de uma panela de pressão sem a tampa.
O sofrito consiste em fritar levemente em manteiga e ou azeite um pouco de cebola bem picada. A cebola deverá apenas murchar sem, entretanto dourar.
Imediatamente deveremos agregar o arroz, sem jamais lavar, e refogar rapidamente para absorver os sabores da manteiga e da cebola, utilizando preferencialmente uma colher de pau, sem que fique tostado.
Em seqüencia adicionar o vinho branco seco, mexendo. Assim que o vinho secar, começaremos a adicionar o caldo numa temperatura próximo a da fervura, sempre aos poucos.
A partir deste momento, colocar sempre caldo cobrindo o arroz, mais ou menos um centímetro, e mexendo de quando em quando, e assim que o caldo baixar, adicionar mais caldo.
Quando o arroz estiver praticamente cozido, dependendo do gosto de cada um, que para os italianos é bem al dente, adicionar o sal, deixar ainda com um pouco de caldo, desligar o fogo, para fazer a mantecação que consiste em adicionar manteiga gelada ou azeite e queijo grana padano ou parmigiano regiano, mexendo bastante até ficar bem cremoso. No caso e risotos de crustáceos, peixes ou frutos do mar a mantecação deverá ser feita somente com azeite ou manteiga e NUNCA com queijo. Alguns dirão que não se deve colocar queijo em funghi porcini, mas na bíblia da gastronomia do Pelegrino Artusi, recomenda fazer a mantecação com o parmigiano!
Há receitas em que podem ser utilizados alho no sofrito, como no caso de funghi porcini, ou mesmo refogados outros ingredientes.
RECEITAS

RISOTO ALLA MILANESE
Ingredientes:
500 g de arroz Carnaroli, Vialone Nano, Arbório ou Roma (SEMPRE SEM LAVAR)
150 g de manteiga e azeite
1 cebola picada
200 ml de vinho branco seco
200 g de queijo grana padano
1 g (ou mais) de açafrão em pistilo e/ou pó
sal
2,0 l ou quanto baste de caldo de carne
tutano de boi
Carne/ossos
Cebola
Modo de fazer:
Aquecer a panela e derreter um pouco da manteiga, o azeite e o tutano, agregar a cebola e refogar rapidamente, acrescentar o arroz até que incorpore o sabor do sofrito. Incorporar o vinho e quando evaporar acrescentar o caldo aos poucos, mexendo de quando em quando (para liberar o amido e dar cremosidade) e, cada vez que estiver quase secando incorporar mais caldo (SEMPRE QUENTE, próximo a fervura). Dissolver o açafrão em um pouco de caldo e em torno de 8 minutos a partir da colocação do caldo agregar ao risoto e aos com 12 minutos, comece a experimentar o ponto de cozimento. Quando estiver quase no ponto e ainda com um pouco de caldo, desligar o fogo, colocar o restante da manteiga gelada e o parmesão, e mexer até incorporá-los ao risoto (mantecação do risoto). Caso queira, pode-se colocar algumas lâminas cruas de tutano sobre o arroz no prato que cozinham com a temperatura do risoto. Esse prato fica muito bonito se colocar no centro uma pequena lâmina de ouro comestível.

RISOTO PRIMAVERA

Ingredientes:
500 g de arroz Carnaroli, Vialone Nano, Arbório ou Roma (SEM LAVAR)
150 g de manteiga
700 g de camarão médio (20/25) ou 1 kg de lagostim
1 cebola picada
200 ml de vinho branco seco
50 g de baby abobrinha ou abobrinha italiana sem sementes cortadas em cubos de 1 cm
50 g de cenoura cortadas em cubos de 1 cm
50 g de pimentão vermelho sem pele cortados em quadrados de 1 cm
50 g de pontas de aspargos
50 g de ervilhas frescas congeladas
Sal
2,0 l ou quanto baste de caldo de camarão/lagostin
Modo de fazer:
Aquecer a panela e derreter um terço da manteiga, agregar a cebola e refogar rapidamente, acrescentar o arroz e deixar que ele incorpore o sabor do sofrito. Incorporar o vinho e quando evaporar acrescentar o caldo aos poucos, sempre quente, próximo a temperatura de fervura. Em torno dos 4 minutos após o início da primeira concha de caldo colocar a abobrinha, mexer de quando em quando e colocando o caldo aos poucos, conforme a necessidade. Em torno dos 6 minutos colocar a cenoura, aos 9 o pimentão, aos 12 as pontas de aspargos e aos 14 os lagostins ou os camarões e as ervilhas. Estes tempos estamos considerando que a marca de arroz que estiverem utilizando deve cozinhar em torno de 17 minutos, caso contrário estes tempos devem ser readequados. Sempre deixar um pouco de caldo para mantecar. Colocar o sal, desligar o fogo e colocar a manteiga gelada em pequenos. Também poderá ser feita a mantecação com azeite. Neste caso nunca utilizar queijo. Pode-se variar o risoto utilizando caldo com frango ou de legumes, que neste caso pode-se mantecar com manteiga e queijo grana padano ou parmigiano regiano.
A maioria das pessoas faz um refogado dos legumes e coloca tudo no final, o resultado é diferente, a textura, o sabor, são inferiores, não vale a pena. Esta maneira é mais trabalhosa, tem que ficar mais atento, só que compensa.




Risoto de Funghi Porcini




RISOTO DE FUNGHI PORCINI
500 g de arroz Carnaroli, Vialone Nano, Arbório ou Roma (SEM LAVAR)
150 g de manteiga e azeite
50 g de funghi porcini sechi reidratado em água fria por uns 20 minutos
200 g de fungui porcini fresco (congelado)
1 cebola picada
2 dentes de alho picados
200 ml de vinho branco seco
200 g de queijo grana padano
sal
2,0 l ou quanto baste de caldo de carne
MODO DE FAZER
Aquecer a panela e derreter um pouco de azeite, agregar a cebola o alho e o porcini sechi reidratado e refogar rapidamente, acrescentar o arroz até que incorpore o sabor do sofrito. Incorporar o vinho e quando evaporar acrescentar o caldo aos poucos, mexendo de quando em quando (para liberar o amido e dar cremosidade) e, cada vez que estiver quase secando incorporar mais caldo (SEMPRE QUENTE, próximo a fervura). Após uns 4 ou 5 minutos incorporar o porcini fresco e continuar o procedimento e aos com 12 minutos, comece a experimentar o ponto de cozimento. Quando estiver quase no ponto e ainda com um pouco de caldo, desligar o fogo, colocar o restante da manteiga gelada e o parmesão, e mexer até incorporá-los ao risoto (mantecação do risoto)
ALGUNS ARROZES










