AS GULOSEIMAS DA MINHA INFÂNCIA

Ismael Iglesias

Atualmente quando vamos ao supermercado, encontramos um sem número de frutas e legumes, cereais, iogurtes, embutidos, peixes e crustáceos, bebidas, temperos e cereais, e, principalmente produtos importados do mundo todo, EUA, Europa, Ásia, Austrália, sem dizer da própria América do Sul. É só a gente lembrar da era pré Collor quando as pessoas compravam até molho Tabasco e macarrão italiano no Free Shopping faz a gente corar de vergonha. Até o Luciano Bosseggia dependia dos amigos que viajavam para a Itália trazerem a arroz em suas malas para fazer os seus risotos, daí o título do seu livro “Il Riso in Tasca” (O Arroz no Bolso). Se já é difícil pensar como era nessa época, imagine eu nos anos 60 vivendo a 520 quilômetros de São Paulo!

Vamos começar pelo cinema nas matinês dos domingos para assistir aos filmes do: Zorro, Rin-tin-tin, Django Kid, e os inúmeros seriados de Farwest, e pasmem, com tantas armas, tiros e mortes nesses filmes, era permitido o acesso de crianças, ave!!!! Mas o interessante era hall dos cinemas, o balcão de balas e chocolates. Sempre uma senhora bem vestida que vendia as balas: 7 belo, Campeão, deliciosa,  que começava com caramelo e recheada com um creminho de amendoim, a de mel que também começava com um caramelo duro e o recheio era “tipo” mel, a famosa “bala piper” de peepermint, que a gente enrolava o papel e dava um nó, que significava mandar um beijinho para as meninas, mas o que a gente mais comprava eram as azedinhas, as mais baratas. As balas Toffe eram o luxo, só compradas pelos mais velhos com namoradas, balas de rico. A nossa sensação era quando nossos pais iam e a gente e compravam, nem sempre, os cigarros de chocolate ou os drops Dulcora, Ah! aí então era festa. Para minha surpresa, estes dias encontrei numa loja de material para festas, as tais balas de mel e a de amendoim, mas de baixa qualidade, que não me trouxe nenhum glamour. Após ler este artigo um amigo me lembrou de mais alguma coisa:  pirulito do zorro, gelatina com anel, doces cristalizados, especialmente de abóbora e as maria moles branca e escura (marron), cobertas com muito coco ralado.

Também algumas vezes por ano aparecia um circo, eram bem simples comparando com os de hoje, nem sombra de um Cirque du Soleil, que na maioria das vezes eram montados há menos de 100 metros da minha casa, daí meu irmão, meus amigos e eu, podíamos acompanhar a montagem e fazer amizades com todo o pessoal. Talvez pelo meu espírito mais aventureiro, o que eu gostava era dos números de trapézio dos domadores de animais, especialmente com leões, atualmente proibidos. Havia também os números de teatro que eu detestava, raríssimos circos apresentavam o número do globo da morte, que consistia em uma pequena estrutura metálica esférica em que algumas motocicletas andando juntas no interior desse “globo”. As guloseimas eram o mais engraçado, pipocas, machadinha (quebra-queixo), amendoins com cascas, estas eram descartadas no chão, ou seja, a grama nativa do terreno e a sensação dos doces, tipo de um mini guarda-chuva, um cone de caramelo com groselha, com um palito de bambu enrolado com papel impermeável que nunca desgrudava totalmente e que acabava se soltando enquanto a gente ia chupando. Houve um dia que o circo pegou fogo, justamente na cortina do palco do teatro. Foi um corre-corre danado. Meus primos e eu estávamos com um tio muito querido e que não permitia que a gente o chamasse de tio, o Jaime. Calmamente ele nos colocou sob a arquibancada e pediu para ficarmos parados ali e que se a coisa “esquentasse”, ele abriria um buraco na parede que era de lata e a gente sairia tranquilamente. Não deu outra, logo o fogo foi controlado, mas muitas pessoas foram pisoteadas decorrentes do desespero, sobrou pra quem? Um outro tio, que estava na casa dos meus pais esperando os filhos que estavam com a gente, tinha um “Pé de Bode”, sabe aqueles Ford 29, o tal do Fordinho acabou virou ambulância do SAMU, isso porque meu pai e o Sargento Clemente, instrutor do Tiro de Guerra que era nosso vizinho foram até o circo e acabaram socorrendo as vitimas e as levando para o hospital.

Naquela época ainda não havia supermercado, o que existia eram as casas de secos e molhados, as pessoas compravam com a tal caderneta e pagavam no final do mês. Imaginem o que existia, ou o que não existia. Acredito que somente o bacalhau, era algo que ainda gostamos atualmente, e que era barato, comida de pobre, fazia parte da lista de compra do mês da maioria da população, fora isso não me lembro de nada de interessante.

O que se encontrava como alimento ou guloseima:

Carnes: boi, porco, frango e pato e a galinha d’angola, eram somente ornamentais, nos sítios e fazendas, ninguém comia, lembrando que churrasco era somente em festas de casamento e espetinhos, ou em algum evento especial.

Peixes: somente os de água doce, nos riachos, lambari, piau e piaba, mandi, bagre; lobós (traíras) e enguias nas lagoas. Nos rios maiores, que aqui era e é o Rio Tietê, grandes pintados e jaús, piaparas, pacús e em algumas épocas do ano, os cascudos. Uma ou duas vezes por ano passava pela cidade um caminhão com gelo vendendo sardinhas frescas, era o delírio de todos, e de resto do mar existia somente manjuba e sardinhas salgadas, e nada mais, além do bacalhau, óbvio.

E as frutas. Restritas como laranjas lima, bahia e seleta e raramente a pera; mamão, nada de papaya, formosa, tinha somente um tipo, que eu poderia chamar de nativo, mexerica daquelas bem azedinha que a gente chupava com sal, depois apareceu a poncã. Também tinha a cidra, que chamávamos de laranja de fazer doce, mas que a usávamos mesmo era para jogar bola. Quando rachava, era só apanhar outra no pé e continuar o jogo. Banana somente a nanica e maçã. As maçãs, somente importada da Argentina que imagino ser a red, igualmente a pera que também era difícil de encontrar.

No começo da década de 60, acho que em 64 ou 65, nosso vizinho, o Sargento Clemente, instrutor do Tiro de Guerra de Birigüi, aquele que ajudou a socorrer o pessoal do circo, ia todos os anos à Festa da Uva em Jundiaí, trouxe para a gente uma fruta diferente que eu achei deliciosa que eu a chamei “tomate doce”, era o caqui, uma tremenda novidade.

Nós gostávamos muito de ir ao sítio do meu tio em alguns domingos porque no final da tarde meus tios voltavam da pescaria e da caçada e era a hora de fazer a fritada. Eram lambaris, piaus, traíras, pombas, rolinhas e codornas fritas. Os velhos tomavam pinga com limão e a gente na limonada ou laranjada, e tudo a quente porque não havia geladeira no sítio. Cervejas e refrigerantes a gente só via em festas de aniversários, que eram raros e no final do ano. Nessas ocasiões toda a família estava reunida, conversando dando risada, unindo pais, filhos, irmãos, primos cunhados, garantindo os valores morais que hoje estão se perdendo. Atualmente, se um pai fizer uma reunião dessas será preso e inafiançável, mas se fizer uma festa rolando sexo e drogas, muitos dirão que é arte… Acredito que seja hora de a gente rever os conceitos atuais.

Visited 1 times, 1 visit(s) today

2 Comentários

  1. Bassil Bana 7 de janeiro de 2019 em 22:27

    Boa noite Ismael,
    Em relação ao artigo de 18 de maio de 2018, quando você cita o episódio do circo, minha esposa estava lá naquele dia e disse que foi inesquecível.
    Abraços
    Bassil

    Responder
    1. wd41gastronomia 12 de janeiro de 2019 em 22:13

      Grande Bassil, que interessante, realmente são momentos em que ficam na nossa memória. Infelizmente todos que ajudaram naquele dia já estão com Jesus. Meus tios Jaime e Avelino (dono do pé de bode), meu pai e o Sargento (na época) Clemente. Grande Abraço.

      Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *